quarta-feira, 6 de outubro de 2010


ENTREVISTA
JUDITH GREEN
Interação na sala de aula
e formação de professores
Judith L. Green, ao longo das últimas três décadas, atuou nos diversos níveis de
ensino, da escola elementar ao ensino superio r. Desde 1990 é professora e pes-
quisadora da Escolade Pós-Graduação em Educaçãoda Universidade da Califórnia(EUA),
onde é uma das coordenadoras do grupo de pesquisa Santa Barbara Classroom Discourse
Group . Doutorou-se pela Universidade da Califórnia, ond e desenvolveu estudos sobre as
relações entre ensino, aprendizagem, cultura e linguagem. Juntamente com seus colegas, tem
publicado artigos sobre pesquisa etnográfica em livros organizados pelo National Council
of Teachers of English, pela American Educational Research Association, e pela
International Reading Association. Estudos etnográficos são estudos desenvolvidos por
pesquisadores que procuram entender o modo de vida de grupos, através da observaçã o
do cotidiano, da lin- guagem e de outras práticas sociais. As pesquisa s mais recentes de
Judith Green privile- giam o exame de como as práticas de sala de aula possibilitam o
acesso dos estudantes às diferentes disciplinas.
Como crianças ganham acesso ao conhecimento escolar? O que é considerado letra-
mento e ap rendizagem na instituição escolar? Como o conhecimento é socialmente cons-
truído? Que oportunidades de aprendizagem são construídas em salas de aula, e quem
tem acesso a essas oportunidades? Judith Green vem explorando questões desse tipo como
membro do Santa Barbara Classroom Discourse Group, comunidade de pesquisa com-
Entrevista concedida a
Ceris Ribas, Sara Mourão
Monteiro e Maria Lucia
Castanheira.
Transcrição e tradução:
Maria Lucia Castanheira.
Apresentação: Ceris
Ribas, Sara Mourão Mon-
teiro e Maria Lucia Cas-
tanheira
posta por professores etnógrafos, estudantes etnógrafos e outros etnógrafos da Universidade.
O engajamento dessa pesquisadora e de seus colegas no estudo de questões referen-
tes a aprendizagem, ensino, cultura e linguagem é orientado por teorias sobre a cons-
trução social do conhecimento e bu sca evidenciar como p rofessores produzem teorias
com seus alunos e como essas teorias con duzem suas práticas. O objetivo do grupo é
identificar princípios orientadores das práticas que visam possibilitar igualdade de
acesso para todos o s alunos.
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ENTREVISTA
PP.: Qual o papel da universidade junto
ao California Writing Project (Projeto
de Produção Escrita da Califórnia)?
professores, sendo apresentada como uma
etnógrafa que desenvolvia estudos sobre
interações em salas de aula. Sheridan Blau,
Carol Dixon e eu iniciamos nossa con-
versa com professores vinculados a esse
grupo de formação porque estávamos inte-
ressados em compreender o que aconte-
cia em suas salas de aula. Havia um inte-
resse daquela comunidade em saber como
os processos de ensino apresentados, ana-
lisados e discutidos durante o curso eram
desenvolvidos em salas de aula. Sheridan,
em suas pesquisas, havia constatado que
mesmo professores mais experientes leva-
vam de quatro a cinco anos para transfor-
mar sua sala de aula e integrar diferentes
aspectos de trabalho explorados durante o
processo de formação.
Judith Green: O California Writing
Project constitui uma rede de formação
de profess ores. Esse projeto iniciou-se
em Berkeley, em 1974, e faz parte de um
programa nacional de formação de pro-
fessores, com 167 regionais em todos os
estados do país.
O papel da universidade nesse proces-
so de formação de professores é manter
a direção dos trabalhos e oferecer supor-
te organizacional e acadêmico, sendo que
os recursos f inanceiros vêm dos gover-
nos federal e estadual . Esse proj et o é
considerado um dos programas de forma-
ção de professores de maior sucesso no
país. Cada uma das 167 regionais do pro-
jeto é associada a uma universidade, mas
o que está em paut a, o que está sendo
compartilhado entre os professores são
suas próprias experiências. A idéia é a de
que o melhor professor sobre os proces-
sos de ensino da escrita é outro profes -
sor que já teve êxito em seu trabalho.
PP.: O que aconteceu, então?
Judith Green: O grupo indicou diver-
sas séri es consi deradas excelent es na
abordagem adotada. Esses profes sores
concordaram com nos sa presença em
suas salas de aula para o desenvol vimen-
to de pesquisas et nográf icas. Naquela
altura, não exploramos o trabalho que já
havia sido desenvolvido nessa área, mas
fizemos leitura e discussão dos trabalhos
de teóric os como Bakt hin, Todorov.
Também lemos outros teóricos estran-
geiros, de maneira que, nesse grupo, todas
as pessoas tiveram oportunidade de se
colocar no mesmo patamar de conheci-
mento. Estabelecemos comparações entre
diferentes t eorias e examinamos suas
PP.: Como aconteceu, em 1990, o seu
contato com esse grupo de professores
que já vinham trabalhando juntos?
Judith Green: Ao iniciar meus traba-
lhos na Universidade da Califórnia, em
Santa Bárbara, fui convidada a visitar esse
grupo e conhecer seu trabalho, pois na
região de onde vinha não existia um pro-
jeto similar a esse. Conheci esse grupo de
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ENTREVISTA
i mplicações para pensarmos a sala de
aula. Nesse processo de discussão, fomos
reconstruindo o referencial teórico, a base
teórica do grupo e o que seria a etnogra-
fia e seu uso nesse contexto de trabalho.
O Santa Barbara Classroom Discourse
Group se constitui nesse espaço de dis-
cussões em que se reúnem profissionais
e estudantes de diferentes instituições.
Diante disso, tomamos a decisão de inter-
romper a sua pesquisa, uma vez que ela
havia quebrado os acordos feitos inicial -
mente com os professores, trazendo pro-
blemas para o andamento do projeto. Esse
foi um fato marcante na construção de
uma relação de confiança com essa pro-
fessora e outros professores do grupo.
Posteriormente, ao nos reunirmos nova-
mente com o grupo, a professora de séti-
ma série narrou o acontecido e manifes-
tou a confiança que passou a depositar em
nós, em função da decisão que tomamos.
Como etnógrafos estamos entrando em
seu mundo para compreender o que sig-
nifica ser membro desse mundo, não para
modificá-lo, não para intervir. E, além
disso, a professora tinha suas próprias
questões, o que a levava a se interessar por
certas partes dos nossos estudos. Como
conseqüência disso, esses professores se
sentiram à vontade para nos receber. Isso
facilitou a nossa entrada na sal a de aula
de outros profes sores, desde os primei-
ros instantes do ano, com nossas câme-
ras de vídeo e outros equipamentos.
PP.: Como se define a relação dos pes-
quisadores com as professores?
Judith Green : Quando i niciamos
esse trabalho de pesquisa, combinamos
com os professores que eles teriam o con-
trole, que a sala de aula era deles, que era
um privilégio nos so fazer parte dela e
que, nesse sentido, não iríamos interfe-
rir. Eles teriam total controle sobre onde
nos assentaríamos, o que faríamos e como
faríamos. Decidimos que nosso objet ivo
seria o de examinar como o profes sor ou
professora, juntamente com seus alunos,
cria sua comunidade de escrita em sala
de aula. Iniciamos o processo de pesqui-
sa com a entrada de duas estudantes – pes-
quisadoras, uma de Taiwan e outra ame-
ricana, em uma sala de aula de sét ima
série. Porém, uma delas quebrou todos
esses acordos quando interagiu com os
alunos de uma maneira que interrompia
o trabalho da professora enquanto ela
estava dando aulas. Além disso, essa aluna
– pesquisadora, por conta própria, defi-
niu como objeto de seu estudo o tema
amor, sexo e morte. Era uma sétima série.
PP.: Que tipos de questões são exami-
nadas nas pesquisas desse grupo?
Judi th Green: Uma questão mais
geral é: o que a perspectiva etnográfi-
ca nos auxi lia a ver do trabalho dos pro-
fess ores e alunos em sal a de aula? Os
professores conversavam sobre o quê e
como a perspectiva etnográf ica os aju-
dava a anali sar sua própri a práti ca e
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ENTREVISTA
contribuía para tornar visível para outros
profes sores o t rabalho que desenvol-
vi am? Então, não fazí amos a pesquisa
para mudar o ensino. Eles estavam dis -
postos a comparti lhar e servir de exem-
pl o no trabalho propost o para o ensino
da escrita. Essa é uma das característi -
cas desse curso de for mação: ter as
experiências de trabalho compartilhadas.
A cada ano novas pessoas passaram a
fazer parte do nosso grupo na uni versi -
dade e outros professore s se mostravam
interessados em que trabalhássemos
com eles em suas salas de aula. Como
resul tado desse trabalho de pesquisa,
foram produzidas cerc a de 12 teses
durante esses anos. Foram também rea-
lizados encontros , nos quais os profes -
sores parti cipavam e escreviam conos -
co arti gos que foram publicados em
revistas especi ali zadas.
que têm experiênci a e estão di spostas a
compa rt il har essa experi ênci a c om
outros.
PP.: Então, nesse processo, o que se
constituiu foi um grupo de trabalho,
com pesquisadores da universidade e
professores?
Ju di t h Gre en : Rec en te me nt e ,
Sabrina, uma profes sora da terceira série,
entrou para a pós -graduação e utilizou os
dados etnográf icos coletados anterior-
mente por outro pesquisador em sua sala
para escrever sua dissertação sobre letra-
mento acadêmico. E Beth, outra profes-
sora que participava do grupo, está tra-
balhando com os dados que uma pesqui-
sadora do grupo coletou em sua sala de
aula para investigar como os alunos modi-
ficam, ao longo do ano escolar, o enten-
dimento que têm do que é ser estudante.
Somente essas duas professoras resolve-
ram fazer pós-graduação; os outros con-
tinuam trabalhando conosco e, se el es
demandam alguma coisa de suas salas
de aula, fornecemos os dados coletados
nesse processo. Às vezes, eles escrevem
a partir desses dados. Nós analisamos o
que os professores solicitam que seja ana-
li sado, e outras questões são negociadas
no grupo. Às vezes, eles publicam jun-
tamente com os pesquisadores de sua
sala de aul a.
PP.: Além das informações que os pro-
fessores tinham do projeto, o que mais
os motivava a participarem dele?
Judith Green: Os profes sores se
inscrevem no programa por vontade pró-
pri a. El es est ão motivados a voltar a
estudar, a analisar como escrevem, como
eles podem ajudar seus alunos a escre-
verem melhor. A motivação, portanto,
começa com isso, ou seja, é um compro-
misso em aprender de novo, com a aná-
lise de sua prática, com a expansão desse
conhecimento. Os professores não se
vêem como peritos, mas como pessoas
PP.: O que vocês aprenderam com todos
esses anos de trabalho?
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ENTREVISTA
Judith Green: Esse trabalho nos levou
cotidiana dos participantes, professores e
alunos. Nessas salas de aula você pode
escrever sua própria história e não somen-
te ler histórias. No início do ano, os alu-
nos escrevem sua história como leitores,
ou como matemáticos. Eles também escre-
vem sua história como alunos no ano ante-
rior, em outra sala de aula. Ao final do ano,
eles escrevem sua história refletindo sobre
si mesmos como aprendizes naquela turma
em particular. Eles também escrevem sobre
sua comunidade na sala de aula.
a compreender que há um modelo de ensi-
no e aprendizagem. Podemos descrevê-
lo de duas maneiras. Uma delas é anali-
sar padrões em comum entre as diferen-
tes salas de aula pesquisadas. E um des-
ses padrões é o compromisso dos alunos
em falar a partir de evidências. Por exem-
plo, ao fazer a interpretação de um texto,
esta pode ser diferente da dos demais par-
ticipantes da sala de aula, mas cada um tem
de falar a partir de evidências para funda-
mentar o que está falando. Nós podemos
ver isso da primeira série ao último ano do
ensino médio. Esse trabalho se desenvol-
ve a partir de teorias da leitura e da escri-
ta, para as quais existem múltiplas inter-
pretações de um mesmo texto. Entretanto,
para que se possa ter uma discussão sobre
essas diferentes interpretações ela deve
tornar-se pública. A natureza pública dessa
discussão requer que se apresentem evi-
dências, não somente opiniões. Esse pro-
cesso de discussão leva o leitor de volta ao
texto, à visão do autor e também à base de
sua própria interpretação como leitor.
PP.: Por que é importante trabalhar
com o princípio da interação em vez da
autoridade na sala de aula?
Judith Green: Os professores tor-
nam visível para os alunos o pensamen-
to, a lógica que há por trás das ações.
Eles querem mostrar por que, como, quan-
do e s ob que condições cert as coi sas
deveriam ser feitas. Não querem sim-
pl esment e dizer aos seus alunos para
fazer isso ou aquilo, pois compreendem
que os resultados e as conseqüências do
domínio das ações por parte deles são
diferentes em cada uma dessas condi -
ções. Se os alunos compreendem a lógi-
ca que há por trás das ações propostas
pel os profess ores , el es podem optar.
Porém, se eles são comandados, podem
se tornar resistentes ou seguidores obe-
dientes. Os professores querem que os alu-
nos tenham condições de dominar as pos-
sibilidades das práticas, não simplesmen-
te executá-las.
Outro conceito-chave, explorado nes-
sas sal as de aula, é a identif icação de
padrões nos tipos de textos e nas ativida-
des desenvolvidas. As crianças aprendem,
por exemplo, que autores podem escrever
de formas variadas. Ele pode ser um his-
t ori ador ou um mat emático. Com isso
aprendem que existem diferentes padrões.
Além disso, o trabalho desenvolvido nes-
sas salas de aula tem conexão com a vida
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ENTREVISTA
PP.: Como os princípios do trabalho
desenvolvido pelo professor podem con-
tribuir para a formação dos alunos?
é uma participação apropriada, mai s pro-
fissional, e os alunos têm, por meio desse
curso de arte, oportunidade de se apro-
priar disso. O aluno faz certas coisas não
porque o professor lhe diga que faça, mas
porque está se tornando membro de uma
comuni dade mai or, que possui certas
expectativas.
Judith Green: Uma das professoras
que participa do grupo afirma que gos -
tari a que s eus alunos fossem os guar-
diões de sua própria força, de suas almas,
o que é uma perspectiva crítica. O proje-
to de formação vê as práticas de análise
crítica de forma positiva. Saber como ser
um escritor e o que os escritores fazem,
por exemplo, constitui a base do projeto.
Is so não é considerado apenas pedagogia
crítica. É o que precisa ser feit o: ensinar
a ser um escritor, e não simplesmente a
escrever. Forma-se um escritor que desen-
volve certas práticas, que se tornam públi-
cas e sujeitas a críticas. Afinal, existe um
conjunto de expectativas, normas, padrões
para escritores.
Há uma peça desse quebra-cabeça
sobre a qual ainda não falei e que cons-
titui um dos princípios de trabalho desen-
volvi do. As di ferentes disciplinas não
controlam o que se faz em sala de aula.
A peça que falta está relacionada à seguin-
te pergunta: como conectar os recursos e
conhecimentos que os alunos trazem com
o que fazem e aprendem na escola, sem
que a escola seja a única e legítima forma
de pensamento? Atentos a essa questão,
os professores, freqüentemente, propõem
aos alunos que pratiquem, em casa, algum
ti po de observação e utilizem recursos
para escrever. Por exemplo, um caderno
para anotar coisas interessantes vistas ou
ouvidas em qualquer espaço, e não ape-
nas na sal a de aula. Dessa forma, as fron-
teiras da escola não são as paredes da
sala de aula. As escolas são abert as e a
comunidade passa a ser vista como um
texto, a família se torna um texto, todas
as coisas podem ser vistas como textos a
serem lidos e compreendidos pelos alu-
nos e seus professores.
A linguagem que ouvim os nessas
salas de aula é muito diferente daquela uti-
lizada em outros tipos de ensino. E não
é simplesmente na escrita ou na leitura.
Esses grupos interrogam: o que signi fi-
ca ser um historiador? O que um histo-
riador faz? A pesquisa de Doug Baker em
um curso de arte demonstra como uma
professora, com experiência em arte, tra-
balha em sala de aula para fazer com que
os alunos se apropri em de um conjunto
de expect at ivas e normas sobre o que
será considerado arte ou uma crítica de
arte dentro daquel a sala de aula. Isso si g-
nif ica que dentro de uma comunidade
existem parâmetros para se avaliar o que
PP.:Você poderia nos falar sobre a orga-
nização do trabalho em sala de aula?
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ENTREVISTA
Judith Green: Uma caract erísti ca
Judith Green : Uma das questões
comum a essas salas de aula é a forma
como elas se organizam em diferent es
situações. Assim, os professores passam,
por exemplo, do trabalho com toda a turma
para pequenos grupos, chegam ao indivi-
dual e depois voltam para a turma como
um todo. O que se vê são diferentes for-
mas para se desenvolver o trabalho. Um
mesmo assunto pode ser discutido em
diferentes contextos. Os al unos podem
escrever em grupos, mas vêm di scutir
individualmente com a professora sobre
o texto produzido e depois apresentam o
texto para a turma toda. Numa sala do ensi-
no médio, os alunos podem ser solicita-
dos a voltar ao texto individualmente se,
após terem discutido em pequenos grupos,
encontrarem visões diferentes e não con-
cordarem entre si. Eles retornam ao tra-
balho individual para buscar evidências
que dêem suporte ao seu argumento e
podem retornar à discussão em grupo.
Dessa forma, os alunos estão sempre esta-
belecendo comparações entre diferentes
interpretações. Nesse contexto de traba-
lho, o conhecimento não é somente do
indivíduo, mas é público e se torna públi-
co, não somente para se julgar se é bom
ou ruim, há uma outra razão de ser. Além
disso, essa variação de interlocutores em
sala de aula faz com que o professor não
seja a única fonte de conhecimento.
que já foi examinada em noss o grupo é
a do l etramento escol ar. Anal isamos
como o letramento escolar é const ruí do,
e não simplesment e alguma coisa que
nomeamos l etrament o. Quais são as
demandas de letramento e quais seriam
as práti cas de letramento nas diferentes
disciplinas numa sala de aul a da escola
elementar? Como essas demandas são
construídas e quem t em acesso a essas
práticas? O simples fat o de est ar numa
sala de aula não signif ica que se tenha
acesso a essas práticas. Quem pode usar
essas práticas? Com que propósito e de
que maneira? Outra questão abordada é
a igualdade de acesso. Às vezes, com cer-
tas cri anças é necessári o desenvolver
atividades di ferenci adas para que elas
possam ter a mesma chance que out ras.
O grupo se volta também para investi -
gar práticas de letramento, não habilida-
des, mas as formas de fazer. É como
uma teoria da cultura orientada pela prá-
tica. A prátic a de ser um cidadão no
Brasil não é a mesma de outros países.
As práticas para ser um cient ista não
são as mesmas em física e em biologia,
por exemplo. Isso demonstra que, mesmo
dent ro de um mesmo campo, como no
da ci ênci a, as prát icas são diferentes. O
aluno precisa aprender essas práticas
para se tornar letrado, para demonstrar
para outros que sabe como fazer bi olo-
gia ou, ainda, como fazer física como um
físico. Nós i nvestigamos, então, a pro-
PP.: Que tipo de questões o seu grupo
costuma pesquisar?
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ENTREVISTA
gressão do conhecimento ao longo do
tempo e as conseqüências advindas do
fat o de se saber ou não certas coisas.
Também t emos investi gado questões
sobre bilingüismo, porque há inglês e
espanhol nas salas de aula. Temos t am-
bém pesquisado sobre as ident idades
que os alunos podem ter em sala de aula.
Não a identidade no singular, mas a mul-
tiplicidade de ident idade s criadas por
meio dos diferentes tipos de interação
estabelecida entre os participantes. Uma
das questões examinadas é, então, quais
são as identidades potenciai s disponí veis
aos alunos nas oportunidades de apren-
di zagem em sal a de aula?
se fora do grupo. A professora havia for-
mado aquele grupo propositadamente,
porque sabia que os alunos também fala-
vam espanhol. Ao ver como o grupo esta-
va trabalhando, conversou com os dois
alunos bilíngües sobre como poderiam a
ajudar o colega, Toni, a fazer parte das ati-
vidades. Os dois responderam que eles
poderiam falar em espanhol e assim o
fizeram. Dessa forma, Toni teve possibi-
li dade de experimentar outra identidade
e passou a ser participante ativo do grupo
de trabalho.
PP.:A linguagem que você utiliza para
falar sobre essas questões é bastante
peculiar. Por que é preciso esse tipo de
linguagem para falar sobre a sala de
aula?
PP.: Iss o é uma decorrência da relação
estabelecida entre professores e alu-
nos?
Judith Green: Se acreditamos que
Judith Green: Não é somente no
o conheciment o é const ruído a partir
de determinado ponto de vista, então,
toda t eoria, seja i nformal ou formal,
pessoal ou pública, vem de um determi-
nado ângulo. Isto produz uma maneira
de ver o mundo, de falar sobre ele, e per-
mite que se fale sobre al gumas coisas e
não sobre outras. O que todos assumem
como simpl esment e uma maneira de
falar é, na realidade, constituído a par-
tir de uma perspect iva epistemológica,
uma maneira de ser, conhecer e fazer a
que nós chegamos num det ermi nado
moment o de nossa história. Então, nada
é nat ural . Preci samos nos perguntar
como as coisas se tornaram o que são.
plano da relação entre professor e aluno,
mas também no plano das relações entre
os pares, de alunos com alunos. A pro-
fessora precisa estar ciente do que acon-
tece dentro dos pequenos grupos , não
somente no plano coletivo da turma. Um
exemplo interessante ocorreu numa sala
de aula de segunda série. Três alunos pro-
duziam um texto em grupo. Um desses
alunos falava apena s o espanhol e os
outros dois eram bilíngües (espanhol e
inglês). A professora se aproximou desse
grupo e percebeu que os alunos bilín-
gües estavam utilizando somente o inglês,
fazendo com que o terceiro menino ficas-
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ENTREVISTA
Eu não posso falar de sal a de aula usan-
do a linguage m behaviorista, quando
procuro ver esse espaço de outro ponto
de vista. Com a l inguagem do behavio-
rismo se pode falar do que é melhor ou
pior, não do que é diferente. Precisamos
de uma outra l inguagem. Então, são
diversas razões que nos levam a preci-
sar de uma outra li nguagem. Razões
polít icas, por exemplo.
diferentes sal as de aul a definidas por
escolha aleatóri a. Por meio do Office of
Re searc h and Incl u si o n, um novo
Instituto de Ciências da Educação, con-
sideram-se como pesqui sa some nt e
alguns estudos de larga escala com si s-
temas de observação que não olham,
mas examinam o que acontece dentro da
sala de aula. Apenas grandes testes têm
sido considerados. O movimento de pen-
sadores e o governo est ão def inindo o
que pode ser considerado como pesqui -
sa nos Estados Unidos. Isso est á abrin-
do a possi bilidade de se considerarem
outras abordagens que não sejam estu-
dos de grande escala.
PP.:Como você anali s a o trabalho
desenvolvido com esse grupo de profes-
sores ao longo dos anos?
Judith Green: Em função do perío-
do prolongado do nosso trabalho, nós
analisamos o impacto de várias reformas
educaci onai s nas sal as de aulas. Esse
i mpacto raramente acontece da manei-
ra como foi planej ado ou de acordo com
os objetivos divulgados publ icamente.
Quando as mudanças propost as eram
menores, por exemplo, quando um pro-
fessor precisava mudar a séri e em que
trabalhava, ele encontrava outras manei-
ras de fazer o seu trabalho. Porém, o
nível de control e tem sido maior nos
últimos anos e as reformas t êm limita-
do bast ant e o que esses profess ores
podem fazer.
Já desenvol vi pesquisas utilizando
observações em l arga escal a e posso
demonstrar como outro tipo de estudo,
a microanálise do dis curso, pode ser
melhor. Porém, é muit o mai s intensa,
laboriosa. É necessário analisar por longo
prazo e transcrever os dados de manei -
ra sistemática. Podemos falar das mudan-
ças acontecidas ao longo do tempo no
processo de trabalho desses professores.
Essa aprendizagem pode ser vista, geral-
mente, no ano seguinte, não i mediata-
mente. Não creio que seja possí vel a
alguém refletir no momento em que as
coisas estão acontecendo e fazer mudan-
ças imediatas. Precisamos de tempo para
pensar. Esse é um aspecto fundamental
da pesquisa e do ensino que precisa ser
compreendido.
Paralelamente às reformas educa-
cionais, existem desencontros no mundo
da pesqui sa sobre o que vale como evi-
dência. Nesse caso, somente números
estatíst icos têm valido como evidência,
ou soment e estudos comparativos entre
v.9 n.53 • set./out. 2003 • PRESENÇA PEDAGÓGICA • 13

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ENTREVISTA COM PAULO FREIRE