quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ESCOLA.

Celso Vasconcellos: 
O coordenador pedagógico deve estar sempre atento à realidade escolar.

O coordenador pedagógico deve acolher, provocar, subsidiar e interagir com os professores.


Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em história e filosofia da educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Celso dos Santos Vasconcellos é pedagogo, filósofo, pesquisador, escritor, conferencista, e professor convidado de cursos de graduação e pós-graduação.
Em entrevista ao Jornal do Professor, ele aborda, entre outros temas, o papel do coordenador pedagógico na escola, as principais atividades que realiza, e os maiores desafios que enfrenta. Para ele, a formação do coordenador pedagógico deve incluir, em primeiro lugar, uma boa formação como educador, para acrescentar, depois, uma formação específica para a coordenação pedagógica, com aprofundamento em gestão escolar, planejamento, projeto político-pedagógico, trabalho de grupo, supervisão.
“Se desejamos avançar na conquista de uma educação de qualidade social democrática, temos de investir, com toda a urgência, na formação dos professores em geral e da coordenação pedagógica em particular”, defende.
Jornal do Professor – Qual o papel do coordenador pedagógico na escola?
Celso dos Santos Vasconcellos – O horizonte que vislumbro para o coordenador pedagógico é o do intelectual orgânico, qual seja, aquele que está atento à realidade, que é competente para localizar os temas geradores (questões, contradições, necessidades, desejos) do grupo, organizá-los e devolvê-los como um desafio para o coletivo, ajudando na tomada de consciência e na busca conjunta de formas de enfrentamento. O intelectual orgânico é aquele que tem um projeto assumido conscientemente e, pautado nele, é capaz de despertar, de mobilizar as pessoas para a mudança e fazer junto o percurso. Em grandes linhas cabe ao coordenador fazer com sua “classe” (os seus professores) a mesma linha de mediação que os professores devem fazer em sala: acolher, provocar, subsidiar e interagir.
JP – Quais as principais atividades por ele desenvolvidas?
CSV – Coordenar a elaboração e a realização interativa do projeto político-pedagógico da escola (PPP); elaborar o seu plano setorial, qual seja, o projeto de trabalho da coordenação pedagógica; colaborar com os professores na construção e realização interativa do projeto de ensino-aprendizagem/plano de ensino, assim como dos planos de unidade, sequências didáticas, projetos de trabalho, semanários, planos de aula; coordenar as reuniões pedagógicas semanais (hora-atividade, horário de trabalho pedagógico coletivo); acompanhamento individual dos professores (supervisão não com sentido de controle autoritário, mas de “outra” visão); puxar para o todo (superando o foco muito localizado de cada professor); participar da educação da mantenedora e da comunidade, etc.
Um dispositivo institucional fundamental para favorecer a concretização do PPP e a atividade da coordenação é o trabalho coletivo constante, a hora-atividade, o tempo coletivo dos educadores na escola, com a presença da direção, coordenação e professores. Fica muito difícil o trabalho da coordenação quando não há este espaço coletivo constante, pois é aqui que as coisas são amarradas, as avaliações feitas, as metas estabelecidas (ex.: alfabetização, diminuição da evasão, do insucesso ao fim do ciclo, etc.) monitoradas, as intervenções pensadas coletivamente.
Para mudar a escola —e a sociedade— precisamos de pessoas e estruturas, estruturas e pessoas. Não pode haver dicotomia. O PPP e o trabalho coletivo constante são instrumentos que ajudam as pessoas na tão necessária luta pela melhoria da qualidade da prática pedagógica. Sem este espaço, o coordenador corre um sério risco de virar “bombeiro”, “quebra-galho”, “burocrata”, tendo uma ação fragmentada.
JP – Quais os maiores desafios enfrentados pelos coordenadores pedagógicos na realização de seu trabalho na escola?
CSV – Para mim, o maior desafio que a coordenação pedagógica encontra hoje é o desmonte —objetivo e subjetivo— dos professores (mal-estar docente, burnout – síndrome de desistência do professor, demissão em ação, desânimo). Tal situação é fruto de uma histórica e perversa armadilha muito bem montada para o professor que envolve cinco fatores:
1. Desmonte social, em particular da família;
2. currículo disciplinar instrucionista e avaliação classificatória e excludente;
3. condições precárias de trabalho;
4. formação frágil;
5. justificativas ideológicas para o fracasso dos alunos que isentam de responsabilidade tanto os professores quanto os mantenedores.
É preciso muita clareza e determinação para ajudar os colegas na tomada de consciência desta situação (que é vivida, mas não compreendida), assim como na tomada de consciência e ocupação da sua Zona de Autonomia Relativa, conceito que desenvolvo no livro Currículo: a Atividade Humana como Princípio Educativo.
JP – Muitas escolas costumam realizar uma semana pedagógica no início de cada ano letivo. Qual a importância da realização dessa atividade?
CSV – Se entendermos o planejamento como um processo, podemos afirmar que estaremos planejando durante todo o ano. Por que, então, o destaque a este momento? Existem algumas peculiaridades:
Início de ano: princípio de processo, onde decisões importantes podem ser tomadas; estabelecer rumos; assumir compromissos; organizar trabalho; ter visão de conjunto. Estamos acostumados a pensar baseados no paradigma cartesiano-newtoniano, de cunho positivista e simplista (determinismo, relação linear de causa e efeito); sabemos que, muito frequentemente, na vida humana concreta não é assim que as coisas funcionam. Precisamos desenvolver outras formas de representação mental, inclusive novas metáforas. Neste sentido, lembro das contribuições da Teoria do Caos: em sistemas turbulentos de alta complexidade (e a educação escolar, embora em outra referência no plano existencial, com certeza é um deles), uma pequena alteração no início do processo pode provocar uma grande mudança na trajetória;
Maior coletivo: possibilidade de reunir um grupo maior de educadores, fato nem sempre possível nas horas-atividades/horário de trabalho pedagógico coletivo no decorrer do ano;
Duração: maior tempo de reunião, em função de não haver atividade com alunos, o que possibilita tanto a abordagem de um leque maior de temas quanto o seu maior aprofundamento.
JP - Em sua opinião, quais os pontos que devem ser abordados durante as semanas pedagógicas?
CSV – Basicamente: retomar o projeto político-pedagógico, isto é, fazer memória do marco referencial (fonte de sentido do trabalho), revisar o diagnóstico e refazer a programação; revisão das normas de convivência da escola; elaboração dos projetos de ensino-aprendizagem/planos de ensino por parte dos professores; distribuição das aulas (sendo que os melhores professores devem ficar com anos iniciais); programação da primeira reunião de pais; preparação das salas de aula para receber com todo carinho os alunos no primeiro dia de aula.
JP - Qual o tipo de formação mais adequada para se preparar um bom coordenador pedagógico?
CSV – Primeiro, uma boa formação como professor, como educador, o que envolve as três grandes dimensões da atividade docente: trabalho com conhecimento, organização da coletividade (construção da disciplina em sala de aula) e relacionamento interpessoal. Depois, a formação específica para a coordenação pedagógica, com aprofundamento em gestão escolar, planejamento, projeto político-pedagógico, trabalho de grupo, supervisão (acolhimento, acompanhamento, orientação, etc).
JP - As instituições de ensino superior conseguem formar bons coordenadores pedagógicos? Ele sai preparado para o exercício de suas atividades ou isso ocorre mesmo é no dia-a-dia?
CSV – Entendo que, de partida, há um gravíssimo problema na formação do professor; além disto, há sérias limitações na formação do coordenador pedagógico. Muitas vezes, tem-se a visão de que o problema da formação docente está na necessidade de atualização: tecnologias da comunicação e informação, inclusão, diversidade, transdisciplinaridade, etc. Não temos a menor dúvida desta demanda. Todavia, antes de mais nada, é preciso a tomada de consciência de que este despreparo passa por um aspecto absolutamente elementar de sua atividade: a didática, o processo de ensino-aprendizagem.
Nas formações continuadas, quando perguntamos aos professores quais as exigências básicas para a aprendizagem dos alunos, são raros os que apontam o conjunto das exigências e, de um modo geral, não sabem justificar o porquê da exigência apresentada (sabem que se trata de um aspecto importante na aprendizagem, porém não sabem justificá-lo).
Se fôssemos aplicar com os professores o mesmo critério que utilizam com alunos (exigir no mínimo 50% de acerto), apenas 20% seriam aprovados, pois, das seis exigências essenciais, na perspectiva interacionista, 80% colocam duas ou menos; há professores que respondem frente e verso e não apontam sequer uma categoria epistemológica; falam da função da escola, da formação da cidadania, etc., só que não é isto que está sendo perguntado!
Nesta mesma direção aponta pesquisa do professor Fernando Becker (A Epistemologia do Professor): o despreparo dos docentes para um dos aspectos nucleares de sua atividade —o processo de conhecimento—, é tal que estranham serem indagados a respeito de como seus alunos conhecem, chegando mesmo um professor a afirmar “Te confesso que nunca tinha pensado nisso”. O que estará fazendo em sala um professor —e sabemos perfeitamente que não é um caso isolado— que sequer compreende como seu aluno aprende? Muito provavelmente não será construção do conhecimento, mas mera transmissão.
Se desejamos avançar na conquista de uma educação de qualidade social democrática, temos de investir, com toda a urgência, na formação dos professores em geral e da coordenação pedagógica em particular.


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